sábado, 4 de dezembro de 2010

Parte 8



Trata-se da "conformidade a fins1". Este é um conceito que precisa ser compreendido intuitivamente. Significa algo como a raison d'etre de um objeto, a sua harmonia consigo mesmo. Quando contemplamos um rio, por exemplo, sentimos prazer estético, porque identificamos, através de nossa faculdade do juízo, ou seja, intuitivamente, sua conformidade às leis do universo e às leis de nosso próprio entendimento.

Na contemplação estética da obra de arte sente-se este mesmo prazer, com uma diferença: enquanto a natureza sempre abriga uma finalidade, embora misteriosa e inacessível, a arte possui uma conformidade a fins apenas formal, uma conformidade a fins sem fim2. Como se a natureza fosse um belíssimo arco e flecha, que funciona muito bem, enquanto a arte corresponde a um arco e flecha apenas ornamental, sem uso prático, do qual, no entanto, emana uma beleza comovente e viril que incute energia e coragem no espírito dos guerreiros.

A conformidade a fins de um objeto é o sentido último de sua existência3. A conformidade a fins de um livro, por exemplo, é o seu potencial de ser lido e ter seu conteúdo assimilado. A conformidade a fins de uma lata de cerveja é ser bebida. A conformidade a fins da água é matar a nossa sede e produzir vida. O juízo sobre os objetos, porém, passa ao largo dos conceitos, de maneira que os exemplos citados são apenas grosseiras aproximações para entendermos uma apreciação que é apenas intuitiva; com o entendimento sendo usado apenas para refletir e organizar as intuições formadas na imaginação.

O julgamento estético, segundo Kant, lastreia-se no prazer e desprazer durante a contemplação dos objetos, originado pela apreensão da conformidade a fins no objeto; a forma do objeto produz intuições imaginativas que, aquecidas no fogo do entendimento, geram o prazer estético.

Este é um resumo, naturalmente hiper-resumido, vulgarizado, do que seria, segundo Kant, a "conformidade a fins" de um objeto, seja artístico, seja natural.

A seguir passemos para o conceito que mais diretamente se liga ao objeto principal deste ensaio, que é apresentar a irmandade original entre a estética e a comunicação.


Notas:
1 Kant, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. p.25;
2 “Beleza é a conformidade a fins de um objeto, na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim”. Idem. &17. p.82;
3 Idem. & 10. p.64.