sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Parte 4

A internet desnorteou o gigante. A fragmentação, a interatividade, a acessibilidade universal, favoreceram o homem comum, em detrimento do concentrado poder leviântico, identificado, por sua vez, com a mídia corporativa. Não foi surpresa, assim, o surgimento de uma rede de blogs especializados em contra-informação, que procuram desconstruir as versões oficiosas veiculadas pelos grandes jornais.

Até pouco tempo, os jornais detinham o monopólio da notícia, o que lhes conferia um poder quase místico. Eles dominavam os "fatos" e com eles galvanizavam sua opinião política e cultural, que assumia qualidades arbitrárias, verdadeiros autos-de-fé.

Por certo o rádio, ainda hoje o meio de comunicação mais popular, exerce enorme influência sobre as consciências, mas enquanto as ondas hertzianas se perdem no éter, o jornal oferece uma prova física, tátil, um documento que pode ser usado em tribunais para se acusar desafetos.

Engoliu a notícia, sim, a Net; em alguns casos dispensando a corretagem, visto que permite colher dados diretamente das fontes, as quais, em função da nova realidade, informatizaram e aprimoraram os serviços de relações públicas. Para obter informação sobre um dado econômico, o lançamento de um livro ou o nome de um novo secretário de estado, entra-se num site de estatísticas, na página da editora ou no portal do governo.

Na crítica cultural, todavia, os periódicos continuam exercendo a função mais importante, a de chancelar obras e, sobretudo, autores. À internet cabe o papel, um tanto melancólico, de aprovar ou não essa chancela; sendo que, cada vez mais, a não-aprovação é confundida - às vezes, infelizmente, com razão - com posições idiossincráticas.

Minha preocupação é que nosso Leviatã decida compensar a perda de prestígio político de sua velha ferramenta de poder (a mídia), através da ampliação de sua presença num terreno ainda mais vulnerável e desregulamentado; ou seja, que estenda seus braços peludos sobre o debate cultural e estético. Seria uma forma de burlar o controle social e retomar, por outras vias, o poder político. É preciso, afinal, como observa Garcia Canclini, "evitar que uma dominação derrotada ressurja nos hábitos cúmplices que a hegemonia instalou em nosso modo de pensar e nos relacionarmos".

Leviatã, no entanto, não é sempre leal a seus senhores. Ele tem sua rebeldia - seja porque persiga, por vezes, a estratégia leopardiana1, segundo a qual as coisas devem mudar para que permaneçam as mesmas - seja porque os senhores briguem entre si, disso resultando, frequentemente, uma dialética autêntica e original. Sempre há a possibilidade, enfim, do Leviatã ter bom gosto. Júlio César protegeu e financiou Virgílio; o Papa contratou Michelângelo para pintar a Capela Sistina; e Nelson Rockfeller teve a audácia de convidar o comunista Diego Rivera para ilustrar o muro de entrada de sua empresa.

Notas:
1 Refiro-me ao romance O Leopardo, de Tomasi de Lampedusa.