sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Parte 1

Na introdução de sua obra mais conhecida, Leviatã, o filósofo inglês Thomas Hobbes compara o Estado a um homem artificial. A soberania seria sua alma; o funcionalismo público, os músculos; o sistema de recompensas e castigos corresponderiam aos nervos; a riqueza de seus indivíduos seria a força; a segurança do povo, o objetivo principal da criação do Estado; o corpo acadêmico e científico de um país, à memória; a justiça e as leis, segundo Hobbes, equivaleriam à razão e a uma vontade artificiais; a concórdia, ou paz, seria a saúde; a sedição, a doença. Enfim, a guerra civil seria a morte e "os pactos e convenções mediante quais as partes deste Corpo Político foram criadas, reunidas e unificadas assemelham-se àquele 'Fiat, Façamos o Homem', proferido por Deus na Criação1".

Quando li esse texto, um pensamento brotou espontaneamente: e a comunicação? E a mídia? Decerto, em 1651, a mídia não importava tanto como hoje, e a omissão de Hobbes deve-se a isso. Mesmo assim, causa espécie que Hobbes tenha esquecido de funções essenciais ao ser humano, e portanto também ao monstro por ele criado, mesmo naqueles tempos: a fala e a audição. O Leviatã de Hobbes é surdo e mudo!

Hobbes inevitavelmente teria que topar com o tema. No capítulo IV, intitulado Da linguagem, persiste no mesmo enfoque. Assim começa: "A invenção da imprensa, conquanto engenhosa, comparada com a invenção das letras, é coisa de somenos importância". O filósofo, definitivamente, não era um amante da mídia. Ele elocubra sobre a origem da linguagem, seu desenvolvimento através dos tempos, mas não conseguiu entender que, se pretendia estabelecer comparações entre o homem e o Estado, deveria associar a imprensa à voz do Leviatã, ao grito do monstro!

Mas sejamos tolerantes com o nobre pensador inglês. Afinal, talvez o Leviatã de sua época fosse mesmo mudo, o que explicaria a necessidade do Estado de se fazer ouvir através de massacres, expurgos, guerras, quando mau-humorado, ou festas e eventos públicos, em caso de acordar bem disposto.

De qualquer forma, está bem claro que, séculos mais tarde, o poderoso Leviatã aprenderia a falar muito bem. Como se tornaria loquaz! Então saltemos logo para os dias de hoje, porque não estamos aqui para falar de história. Até pouco tempo atrás, o monstro hobbesiano também era surdo. Veja-se o caso do Brasil. Em 1984, apesar da maioria da população brasileira desejar o fim da ditadura, precisou reunirem-se centenas de milhares de pessoas em praças públicas, para que, unidas num só grito, sua voz chegasse, embora embaçada e fraca, aos tímpanos mal formados do Leviatã; o qual, trajando uniforme militar - que havia sido seu disfarce para tomar o poder, vinte anos antes - ocupava, ou melhor, usurpava, o Palácio do Planalto.

Expulso do governo, o temível monstro, conforme sua prática desde tempos imemoriais, decidiu instalar-se em outra instância de poder; e adentrou, orgulhoso e autoritário, as salas de redação.

Notas:
1 Hobbes, Leviatã, Introdução, p.9;
2 Idem, Cap.IV