sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Prefácio

Desde criança gosto de ler jornais. É um hábito profundamente arraigado em mim e que sempre me proporcionou um prazer peculiar. Hegel dizia que o jornal era seu "café-da-manhã de realidade" e eu também sentia algo parecido. Ainda não existia internet, e era como se o mundo viesse me dar bom dia. Adolescente furiosamente sonhador, leitor de romances fantásticos, poeta, boêmio, o jornal me ajudava a vencer o fantasma da loucura, tão presente na família e com o qual, apesar disso (ou por causa disso), eu flertava atrevida e deliberadamente. Até hoje, depois que a vida e suas labutas me fortaleceram e incutiram-me autoconfiança, ainda considero um jornal, acompanhado de um bom suco de melancia, a melhor fórmula para restabelecer o equilíbrio psicológico.

Eu sentia prazer estético. Uma reportagem sobre um homicídio no subúrbio do Rio semelhava um conto policial, com a vantagem de ser... verdade. A verossimilhança, uma das principais virtudes da arte, segundo a Poética de Aristóteles, e que, mesmo agora, em tempos de radical liberdade artística, ainda se busca na literatura e no cinema, apresenta-se, numa matéria interessante e bem escrita, em sua pureza total. Entre os clássicos da literatura há muitos exemplos de textos jornalísticos, e inclusive entre os primeiros relatos escritos não havia distinção entre literatura e jornalismo. A Ilíada e a Bíblia, tirando os trechos que falam de Deuses, correspondiam ao jornalismo na Antiguidade, e mesmo os livros de Júlio César, cinquenta anos antes de Cristo, não passam de reportagens magnificamente escritas.

Por que o jornalismo não seria arte? Se um meteoro soterrasse o mundo hoje e uma nova civilização ressurgisse apenas dez mil anos depois, e o único vestígio de nosso mundo fosse uma edição do jornal O Globo, ela seria venerada como uma obra de arte. Não seria? Não veneramos hoje, como arte, bois e carneirinhos pintados em cavernas? Por acaso eles seriam mais belos e mais interessantes que matérias sobre política, cultura e economia? Mesmo as matérias visivelmente tendenciosas e manipuladas, não seriam, inclusive por isso mesmo, vistas como obras-primas de nossa literatura? Estudiosos iriam destrinchar como jornalistas retorciam os fatos, com um talento extraordinário, para fazer valer tal ou qual tese. Claro, isso ocorreria apenas - repito - se aquela edição fosse o único vestígio de nosso mundo; nem por isso, porém, a tese deixa de ser válida.

Neste ensaio, demonstrarei que toda comunicação, mesmo a que possui aparentemente apenas a função referencial, como uma matéria jornalística, opera uma dimensão estética que tem sido menosprezada. Esse esquecimento pode ser uma das causas da crise moral, política e financeira em que vivem os jornais. Se uma manchinha na parede é exposta numa bienal de arte como um grande trabalho estético, por que uma reportagem, um editorial, uma foto, não podem ser? Nas próximas páginas, farei ponderações acadêmicas sobre o tema, fundamentado em clássicos da filosofia, da estética e da comunicação social.